quarta-feira, abril 25, 2007

Terra da fraternidade

Há sempre um sítio onde nos sentimos bem. Seja o nosso lar; aquele sítio especial onde namorámos; onde tivemos as férias inesquecíveis; aquele sítio mágico que pensamos ser os únicos a conhecer e onde o mundo pára um bocadinho só para nós; aquele sítio das brincadeiras de infância; há sempre um sítio que nos aconchega o espírito.
Eu tenho alguns, um de cada dos que exemplifiquei e mais um especial: O bar Chessenta, em Faro.
Primeiro uma curta declaração de (des)interesses: Não sou comunista; gosto muito pouco do PCP, em termos partidários; e não tenho nenhuma admiração pela figura do Che Guevara.
Quanto ao bar, não é tanto o sítio, no sentido de espaço físico, pois esse mudou, é o ambiente que lá se vive. O bar Chessenta - para os amigos simplesmente Che - é comunista, a decoração é comunista, os frequentadores habituais são, na sua maioria comunistas, a música ao vivo é de intervenção e o ambiente, esse, é de harmonia.
Conheci o Che há quase 9 anos. Entrei lá pela primeira vez quando estava a ser praxado no meu primeiro ano de faculdade. As vítimas eram “os 3 das Caldas” (conhecidos na blogosfera por queirosene, Xico e Mr.T) que, arrastados pelos abusadores, foram parar a uma tasca vazia, de aspecto rude e que transpirava comunismo pelas paredes. Alguém nos mandou ajoelhar e cantar uma música qualquer. Aparece então um senhor magríssimo, de barba, com a voz embagaçada que nos disse a frase mais sentida que ouvi em toda a minha vida: “Levantem-se já! Mais vale morrer de pé do que viver de joelhos! De joelhos neste bar, NUNCA !”.
O embaraço foi geral, o silêncio constrangedor e a lição para a vida. A memória tem 10 anos, a emoção desta descrição poderá turvar os factos, mas a frase, essa, jamais esquecerei.
O tal senhor, era o Sr. Mário, dono do estabelecimento na altura. E como todos os personagens têm um compincha, a dupla ficava completa com o Sr. Zé. Portuense, de bigode, frases imperceptíveis, cabia-lhe a ingrata tarefa de servir às mesas. O bar é uma espécie de duplex, com umas escadas íngremes que nos levam ao primeiro andar onde estão as mesas e o “palco”. Inevitavelmente alguém caía nas escadas molhadas por cerveja, ou outro líquido e invariavelmente era o Sr. Zé a vítima das circunstâncias. Não fora, na maior parte das vezes, ele estar altamente embriagado e a transportar copos, e a gargalhada geral mesclada com a música ambiente, teria muito mais piada.
O Mário e o Zé há muito que deixaram o bar. A tasca que conheci há muitos anos, a tasca onde se escrevia nas paredes o que nos ia na alma, a tasca cheia de gente a cantar as músicas do Zeca e com imperial ao preço da chuva, mudou. Transformou-se num bar limpo, bem arranjado, com um pequeno plasma capitalista que destoa do resto e com paredes nuas de criatividade pessoal - felizmente, os quadros, fotografias e poemas que decoram o ambiente, mantêm-se.
O que este bar tem de especial, para mim, não é a decoração, nem a música, nem o preço (esse não é de certeza). O que de bom tem o Chessenta, é o que de bom tem, por exemplo, a festa do Avante. O espírito de festa, de comunhão, de liberdade, de igualdade, de fraternidade, o espírito de camaradagem, que nos contagia e alegra. É impossível não gostar. Ódio é uma palavra que nunca deve lá ter entrado. Para isto muito ajudam os seus clientes habituais. Os mais jovens, na sua maioria da JCP, demasiado eufóricos por jogarem, que é como quem diz cantarem, em casa; e os mais velhos: retornados, socialistas, comunistas, bloquistas, “Abril-istas” e resistentes do antigo e do actual regime - pelo menos é assim que os vejo.
Há algum tempo que não ia lá. Ir ao Che, não é só ir beber um copo e pôr a conversa em dia com os amigos. Ir ao Che implica ouvir música ao vivo, cantar e falar com os vizinhos da mesa ao lado, de preferência nas noites de lotação esgotada. Desta forma, já não ia lá a alguns meses.
E claro, ontem, dia 24, só havia um sítio onde ir. O ritual cumpriu-se e lá estive eu. Acompanhado de novos e velhos amigos, rodeado de novos e velhos desconhecidos, com os cheiro dos cravos no ar, de braço dado com os e as camaradas do momento, a cantar a única música que me causa arrepios e humedece os olhos: “Grândola Vila Morena”.
Chessenta, terra da fraternidade…

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