segunda-feira, janeiro 15, 2007

Babel

Acho que sou uma pessoa de paixões. Tenho poucos ódios. Os ódios fazem mal à alma, corroem-na subtilmente até à destruição. É mais fácil ter paixões. Mas como todas as paixões, elas cegam-nos, toldam-nos o pensamento, mudam-nos a realidade de sítio fazendo-nos sentir coisas sinceras adormecidas no mais profundo íntimo. O que escreverei de seguida não é mais do que uma paixão. Como tal, poderá desaparecer, poderá perdurar comigo até que a morte nos separe, mas fingir que não se sente uma qualquer paixão é como querermos deixar de existir. Eu existo.

O filme nunca irá ser considerado uma obra-prima porque é demasiado real, demasiado duro, para alguém poder dizer que é magnífico. É mais fácil pensar e assumir que é simplesmente um filme e classificá-lo de muito bom, imprescindível, ou até mesmo de excelente. No entanto, quando a realidade nos entra pelo coração adentro desta maneira, estamos a ver um documentário sobre nós próprios e que em qualquer parte do mundo, desenvolvido ou não, a dor atinge da mesma maneira, aflige, sufoca, mata. Dizer que o filme é uma obra-prima é admitirmos que um dia podemos perder um filho, uma mulher, ou sofrer a mais dura das solidões. Quando um filme se transforma num extenso e belo poema, quando a realização é da mais soberba elegância sentimental, quando a interpretação nos faz olhar a um espelho, torna-se impossível chamar só “filme” a Babel.

Não sei se vi um filme, se abri uma janela e vi o nosso mundo.

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