segunda-feira, outubro 31, 2005

Cool-tura para o povo

Seguindo a ideia do meu amigo Pedro do Blogue "A Inevitável Insatisfação do Ser", o “Apocalipse já” passará a ter um dia dedicado à cultura, mais precisamente à poesia. Para inaugurar, dois poemas de dois dos meus poetas preferidos: David Mourão-Ferreira e Bretolt Brecht. O primeiro porque este é, antes de mais, um blogue pessoal e por isso sujeito às minhas emoções e estados de alma. O segundo, porque este blogue queria ser um espaço de liberdade de pensamento e de intervenção, tal como escrevi no post inaugural (O Estado a que isto chegou). Boa leitura!

Legenda



Nada garante que tu existas
Não acredito que tu existas

Só necessito que tu existas
David Mourão-Ferreira

Sente-se (nº 10 dos Poemas Relacionados com o «Manual para habitantes de cidades»)

Sente-se.
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.
Você é um idiota.
Está realmente a escutar-me?
Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?
Então
Repito: você é um idiota.
Um idiota.
I como Isabel; D como Dinis; outro I como Irene; O como Orlando; T como Teodoro;
A como Ana.
Idiota.
Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada.
Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.
Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes.S
e você não é um I.
Claro, a você não lho dirão
Porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas
Os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.
É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o I negue que o é.
Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um I.
É francamente fatigante.
Como vê, preciso de dizer mais uma vez
Que você é um I.
E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exactamente as mesmas ideias do seu parceiro.
Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer
Que há outros I.
Você é um I.
De resto isso não é grave.
É assim que você consegue chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política!
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se preocupar com mais nada.
E você é I.
(Formidável, não acha?)
Você ainda não está ao corrente?
Quem há-de então dizer-lhe?
O próprio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito na matéria, dê a sua opinião.
Este homem é um I.
Nada mais.
Não basta tocar o disco uma só vez.
Bertolt Brecht

sexta-feira, outubro 28, 2005

Não há genéricos


Hoje achei que devia fazer algum tipo de tratamento para curar isto. Fui à farmácia.
“Bom dia”. “Bom dia”. “Queria tomar qualquer coisa para a alma”. “Temos Almex, Almox e Almax.” “Qual é o preço de cada um?” “55, 60, 70 euros.” “Chiça! Não Há genéricos?”. “Não. A ANF decidiu que não se vai vender genéricos para a alma. Ontem foram todos jantar – um belo Cordeiro - e decidiram os preços para isto. Nós funcionamos assim, sabe.”
Bonito serviço. Vou ter que me dedicar aos produtos naturais. Mais logo passo pela Ervanária.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Hoje

Há dias estranhos. Hoje sinto-me assim: perdido no meio do Universo.
E só agora, ao final da manhã, percebi porquê. Acho que estou doente da alma.
Haverá genéricos para isto?

quarta-feira, outubro 19, 2005

Cool-tuga paga o pogvo V

Como não tenho andando com tempo para novos posts, e a semana passada não fiz esta rubrica, aqui fica mais um poema para o povo. Um grande poema, de uma grande música, de um grande álbum, do grande Mestre: Jorge Palma.

D. Quixote foi-se embora

Acende mais um cigarro, irmão
inventa alguma paz interior
esconde essas sombras no teu olhar
tenta mexer-te com mais vigor
abre o teu saco de recordações
e guarda só o essencial
o mundo nunca deixou de mudar
mas lá no fundo é sempre igual

E agora, que a lua escureceu
e a guitarra se partiu
D. Quixote foi-se embora
com o amigo que a tudo assistiu
as cores do teu arco-íris
estão todas a desbotar
e o que te parecia uma bela sinfonia
é só mais uma banda a passar

A chuva encharcou-te os sapatos
e não sabes p'ra onde vais
tu desprezavas uma simples fatia
e o bolo inteiro era grande demais
agarras-te a mais uma cerveja
vazia como um fim de verão
perdeste a direcção de casa
com a tua sede de perfeição

Tens um peso enorme nos ombros
os braços que pareciam voar
tu continuas a falar de amor
mas qualquer coisa deixou de vibrar
os teus sonhos de infância já foram
velas brancas ao longo do rio
hoje não passam de farrapos
feitos de medo, solidão e frio
Jorge Palma
(Álbum - Norte)

segunda-feira, outubro 17, 2005

Apetece-me ofender muito e pensar pouco

Há coisas que me chateiam. Hoje, quando deambulava pela net, deparei-me outra vez com a "Directiva Bolkenstein". Basicamente a directiva relativa aos serviços no mercado interno propõe-se «…abrir completamente o "mercado de serviços na Europa". A aprovação de tal proposta significaria que sectores essenciais tais como a cultura, educação, cuidados de saúde e todos os serviços relacionados com os sistemas nacionais de segurança social poderiam ser expostos às mesmas formas de competição económica que os bens comerciais. »

Estas e tantas outras informações úteis foram-me dadas pela esquerda europeia (num sentido geral, não o grupo Parlamentar). Esquerda essa para quem, claro está, esta directiva representa o Apocalipse do Estado social europeu. “Ai Jesus que agora é que vou ter que fazer um seguro de saúde”. A esquerda, Quichotesca de nascença, vê o fim do mundo em qualquer esquina. E eis que gritam eles «Educação, cultura, saúde, comunicações audiovisuais não são mercadorias. » Nas palavras do grande poeta norte-americano: “BulShit!”. Cortem lá as rastas, tomem uma banhoca e sejam bem-vindos ao século XXI. Acordem para a vida. O proletariado de hoje tem comida na mesa, roupa, carros, vão passar férias a Quarteira, põe os filhos a estudar na Universidade e já não morre de tuberculose.

E porque é que só os ressabiados de esquerda se fazem ouvir? Ainda me espanto com a capacidade que a esquerda esquerdista tem de actualizar as cassetes, adaptando aquilo que repetem à pelo menos ¼ de século, à actualidade politico-legislativas

Quero, aliás, exijo ouvir a opinião dos gajos de Direita! Já nem peço a opinião da extrema-direita. Esses, de certeza que já leram um estudo qualquer sobre o assunto na Internet e os seus cerebrozinhos atrofiados manipularam a informação para o que lhes convém. E o que lhes convém é regurgitar umas diarreias verbais ao vento dos acontecimentos: ora sobre pretos, monhés, ou chineses; ora sobre pedófilos; ora sobre a grandiosa Nação. Eles que são mediterrânicamento-loiros, mediterrânicamente-olho-azul, mediterrânicamente-altos, Mediterrânicamente-latinos, e portanto defensores dos “valores” do III Reich. Sobre estes, adapto os cartazes de contra-propaganda de algumas associações gay&lésbica: Só espero que todos os Skin-heads, reencarnem numa mulher, preta, judia e sem uma perna.

Depois vem a história do Dumping Social. A sacana da proposta introduz o «princípio do país de origem», onde «os prestadores de serviços só estão sujeitos à lei do país de onde são provenientes». O exemplo é da página do Miguel Portas: “a profissão de pedreiro é muito regulamentada na Alemanha, mas na Grã-Bretanha não. A aceitação generalizada do princípio do país de origem teria como consequência que um pedreiro alemão no Reino Unido seria abrangido pela lei alemã, mas o seu colega inglês não!”. Esta é a versão mais benigna do filme. Se o leitor(a) substituir o pedreiro alemão por um português e o colocar na Alemanha ou em França diferença fica muito mais nítida: amarrado à legislação portuguesa, em caso de acidente, os serviços de saúde desses países prestar-lhe-iam gratuitamente apenas os cuidados previstos na regulamentação portuguesa, obviamente inferiores. Como é que a realidade dos factos se enquadra no objectivo proclama do da “igualdade de tratamento e não discriminação”, é que não se descortina facilmente... »

Olha, afinal já li a opinião da Direita: « Le président Barroso, un néolibéral atlantiste, qui a fait ses preuves comme destructeur des services publics quand il était premier ministre du Portugal, fait de la stratégie de Lisbonne une de ses plus importantes priorités. Dans le Financial Times (Londres), M. Barroso déclare le 2 février 2005, que « la libéralisation des services est la première de ses priorités. » Il précise que son programme constitue « une rupture claire avec la pensée européenne d’un passé récent quand les préoccupations environnementales et l’amélioration des droits des travailleurs recevaient la même priorité que la nécessité de générer de la croissance. »

Voltando atrás. Bolkenstein rima III Reich. Reich é Império. Império é Mau. Maus são os Lobos. Os Lobos são animais. Os animais cheiram mal. Cheira mal é merda. Logo a Directiva Bolkenstein é uma merda.

Ou não acham? Digam de vossa justiça. Como não tenho paciência para por aquelas votações on-line, vai pelo método antigo: conta-se pelos comentários.

Fontes de Informação: Poucas, quase todas de esquerda. Faltou-me ver a página da Internacional Liberal.