quarta-feira, abril 30, 2008

Cine-crítica

Algumas noites de insónias, algumas manhãs de Outono na cama, vários filmes, uns muito maus, outros muito bons. Começando pelo pior:


3/10
Estive várias vezes para desligar e ver qualquer coisa mais interessante. A curiosidade foi maior e gramei esta porcaria até ao fim. Só leva um 3 e não um 2, porque há pequenas parvoíces do Mike Myers que ainda fizeram sorrir um bocadinho. Mas o filme é mau, não aconselho a ninguém.


Forgetting Sarah Marshall
7/10
Surpreendentemente um bom filme. Estava à espera de uma comediazinha romântico-patética, mas encontrei um filme com piada, com clichés muito bem retratados e que aconselho vivamente.



Para mim, o Kar Wai Wong é uma espécie de Manoel de Oliveira versão techno. Este filme está tremendamente bem realizado, como todos os filmes dele (pelo menos os que vi) tem uma cor que me fascina, actores trabalhados ao pormenor, mas.. é uma seca do caraças. E o argumento não me cativou por aí além.Vale mais pelo filme enquanto peça de arte, do que pelo filme enquanto história.



6/10
É mais ou menos a mesma coisa que o anterior. Com uma única nuance: até meio do filme, tive a sensação de estar a ver um enorme onanismo intelectual do Ethan Hawke. O filme está muito bem filmado mas, no geral, é muita película para coisa nenhuma. Alguém devia dizer ao Ethan que lá por terem pegado nele e filmado um dos melhores filmes de sempre sobre relacionamentos, não quer dizer que ele saiba a fazer o mesmo.
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E de repente, estou calmamente sentado no sofá, alguém liga a confirmar um plano, surge a frase: Já viste o "Any way the wind blows" realizado pelo Tom Barman? Não - respondo eu - já nem me lembrava que o gajo tinha feito um filme. Nunca vi. Passa por aqui e vemos isso. Planos confirmados, keeping it real, convida-se mais uns amigos que não se vê há uns tempos, carrega-se no play.
E de repente, levamos com o melhor filme que vi nos últimos anos. Por outras palavras: pelas minhas contas, nenhum filme me surpreendia tanto pela positiva há 3 anos. Não é uma obra-prima. É, simplesmente, um excelente filme, que não paro de recomendar a toda a gente que conheço . Além disso, tem uma banda sonora daquelas que irão durar anos na playlist. Uma BSO com a qualidade da BSO de Trainspotting, The Big Lebowski ou de Pulp Fiction.
Adoro ser apanhado desprevenido desta maneira por filmes de que nada estou à espera. Num momento é só um filme do gajo dos dEUS, no outro, é um grande filme!

9/10


_____
1 ABSOLUTA PERDA DE TEMPO: Geralmente não vejo o filme até ao fim.
2 MUITO MAU: Vi até ao fim, mas mais valia ter estado quieto
3 MAU: mau.
4 MAUZINHO: Até tinha algumas expectativas; desiludiu; nada de especial.
5 NEM AQUECE NEM ARREFECE: Vê-se bem, mas não aquece nem arrefece.
6 BONZINHO : Vê-se bem; gostei; tempo bem empregue
7 BOM: bom filme; sim senhor, bons pormenores e tal.
8 MUITO BOM: Epá granda filme! sim senhor's.
9 EXCELENTE: não me canso de recomendar o filme aos amigos; adorei; falta qualquer coisa para ser obra-prima.
10 OBRA-PRIMA: Top dos filmes da minha vida.

Crítica

Shoot 'Em Up
8/10
Juno
5/10
[BSO: 9.5/10]


Tropa de elite
7/10


The Darjeeling Limited
6/10

terça-feira, abril 29, 2008

Copy-paste


«Descartáveis
Mário Contumélias, Docente universitário


Eles e elas estão aí e são cada vez em maior número. Constituem a nova classe de trabalhadores, criada pela economia capitalista. Depois dos "proletários" das fábricas, eis agora os "precários", do comércio e dos serviços. Para mal da sua ausência de pecado, não passam de trabalhadores "descartáveis", tipo usar e deitar fora, com baixos salários, sujeitos a grande rotatividade e total insegurança, impedidos de se projectarem no futuro.

São os filhos bastardos no neoliberalismo, o produto perverso da flexisegurança. Configuram uma nova forma de exclusão de uma vida plena que nos é apresentada como uma inevitabilidade do mundo moderno, como se, por detrás da sua existência, não estivessem decisões propriamente políticas e económicas.

Uns são mais jovens, outros mais velhos. Muitos têm formação académica, mas são forçados a escondê-la para conseguirem um posto de trabalho numa caixa de hipermercado, ou agarrados ao telefone de um qualquer call-center. São empregados intermitentes, contratados a prazo com salários insuficientes, estagiários sem remuneração. E, para agravar a situação, são todos igualmente órfãos do finado Estado social.

Mas os trabalhadores "precários" não são um facto exclusivamente português, antes constituem um fenómeno transversal às sociedades da dita modernidade globalizada. E têm consciência, de um modo crescente, da sua dramática condição social. Por isso, constituíram um movimento que atravessa a União Económica Europeia, e que se iniciou em Milão, no ano de 2001.

Esse movimento dá pelo nome de "Mayday", palavra que envolve, ao mesmo tempo, dois significados simbólicos. Por um lado, trata-se de uma palavra-código, internacionalmente usada como pedido de socorro, em caso de perigo extremo. Por outro, refere-se ao dia 1 de Maio, em que, por esse mundo fora, os trabalhadores celebram as conquistas de direitos universais, hoje em declínio acentuado.

Por toda a Europa, "Mayday" é assinalado com uma parada de "precários", iniciativa que chegou a Lisboa no ano passado. Este ano, em Portugal, o movimento fez já assembleias, acções públicas, festas. No próximo primeiro de Maio, aderentes e simpatizantes do "Mayday", juntar-se-ão, na rua, "contra a exploração" e "o emagrecimento dos apoios sociais e à habitação", assim "continuando o percurso de mobilização e visibilidade".

Os "precários" portugueses, tal como os de outros países, sentem-se "empurrados para o conformismo e para a resignação", mas nem por isso deixam de resistir à "desigual condição" em que vivem. E dizem, com razão, que "não tem de ser assim".

Num mundo marcado por um capitalismo desregrado e selvagem, num país pretensamente governado à esquerda, junto a minha voz à deles "Mayday! Mayday! Mayday!".

"Precários" somos todos nós, os nossos filhos, os nossos netos. A precariedade em que vivemos não é um desígnio de Deus, nem um cataclismo natural. É, apenas e só, um dos mais abjectos vómitos da iniquidade social que desumaniza o mundo em que vivemos. E chegou a altura de dizer basta!»

segunda-feira, abril 28, 2008

Música do dia

Sérgio Godinho
"só neste país" (teledisco nada oficial)
[realização: André Godinho (filho do SG)]
Unamo-nos
Nós somos os famosos anónimos
Mesmo assim já comprimos os mínimos
Somos todos únicos
Que mais vão querer de nós
P'ra provar quem vai à frente
Ou fica atrás

Se é por
Ir estabelecer um novo record
Cumprimos o guinnes ao preço que for
E fica o assunto num lugar
E sem espumantes, às vezes dá p'ro banquete
Ou apenas sandes

Sempre
Complicamos a coisa mais simples
E simplificamos a complicada
Sai em rajada o tiro pela colatra
Às vezes mata, às vezes ressureição
Foi de raspão

(Só neste país...)

Só neste país
É que se diz:
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país

São muitos séculos em mor-premonição
A transitar entre o granizo e a combustão
E um qualquer hino para qualquer situação
Pessimista, optmista...

(e vai abaixo e vai acima
pessimista, optimista...)
...e agora a rima

Portugal é nosso p'ro bem e p'ro mal
E o mal que está bem
E o bem que está mal
E o bem que está bem

Juro
P'lo fado
P'lo baile e p'lo Kuduro
Que este país ainda tem futuro
É verde e maduro
Como a fruta, às vezes brote
Às vezes consternação
Secou no chão

Por isso unamo-nos
Nós somos o famosos anónimos
Mesmo assim já cumprimos os mínimos
Somos todos únicos
Que mais vão querer de nós
P'ra provar quem vai à frente
Ou fica atrás...

(Só neste país)

Só neste país
É que se diz:
Só neste país
(...)

Portugal é nosso p'ro bem e p'ro mal

Copy-paste

Miguel Portas in Sol de esquerda

«Facto. Motins no Haiti e no Senegal ou em Marrocos e no Egipto, porque está a crescer o número dos esfomeados que não se resignam à penúria de pão.
Facto. Em 2007, os preços dos cereais aumentaram 120 por cento. Não falta apenas pão em vários lugares do planeta. Falta algibeira para chegar aos alimentos básicos disponíveis.
Facto. O Banco Mundial, acossado de compaixão, anuncia que 100 milhões de pessoas poderão morrer de fome, se não se puser um travão à subida dos preços.
Pergunta. Por que sobem eles? Motivos próximos misturam-se com causas antigas. O modo como cada factor se repercute nos preços finais, é mal conhecido. Sabe-se, por exemplo, que em 2007 a produção mundial de alimentos caiu. Em parte, porque o tempo está a enlouquecer e em parte porque as áreas cultiváveis continuam a diminuir.
Sabemos porque é que o tempo está a enlouquecer. Os tsunamis e as secas não são, como as sete pragas do Egipto, uma zanga do Altíssimo. São consequência de não sabermos cuidar do que é de todos.
Por outro lado, o recuo das áreas cultiváveis envergonha os que agora clamam «aqui vai el-rei». Durante décadas, o Banco Mundial e o FMI andaram a dizer ao mundo que a agricultura de subsistência era coisa do passado, que os Estados deviam desinvestir nos melhoramentos de proximidade e apoiar as culturas de exportação. Por estas e outras, a Índia é, hoje, um importador líquido de cereais. E em África a mandioca, o sorgo ou o milho, culturas tradicionais, foram substituídas pela carcaça. Chegou a hora da factura.
Nesta equação, discutem-se os agrocombustíveis. Há pouco menos de um ano, José Sócrates e Durão Barroso cantaram hossanas ao milagre que iria pôr fim à dependência do petróleo. A Europa decretou que eles deveriam pesar 10 por cento no mix energético de 2020. Fidel Castro contestou violentamente, mas em Bruxelas ninguém ligou, porque era velho e ditador. Agora, são a Agência Europeia de Ambiente e o próprio Banco Mundial que repetem os argumentos do jarreta.
Não se sabe quanto pesam os biocombustíveis na actual alta dos preços. A sua produção não representa mais do que 2 por cento do total da matéria vegetal com origem na agricultura. Mas a verdade é que tem substituído produções tradicionais, tem feito crescer a desflorestação e está a alinhar os preços dos cereais pelos da energia.
Os camponeses trocavam bem esta moda pelo apoio à agricultura familiar, por microcrédito, refrigeradores, melhorias na irrigação e caminhos. Mas não é tudo. O pior das proclamações de Bruxelas é que orientam as aplicações de capital para as bolsas de cereais, hoje autênticas roletas de casino. Eis no que dá a esperteza saloia de dois portugueses com a mania que são modernaços.»

domingo, abril 27, 2008

TIME Magazine, Monday, Jul.22, 1946


« How bad is the Best?

Last week Portugal produced no big spot news ; it hadn't for 20 years ; it might not for 20 years more if the God he strove so hard to serve spared Antonio de Oliveira Salazar. For Salazar distrusted news. He suppressed and distorted it for the good of the Portuguese who, he believed, were unfit for facts. After 20 years of Salazar, the dean of Europe's dictators, Portugal was a melancholy land of impoverished, confused and frightened people. Even Salazar, that model of rectitude, showed signs of succumbing to a law of politics discovered by Lord Acton: "Power tends to corrupt; absolute power corrupts ab solutely."
The real news from Portugal was that another European dictatorship had failed, though it might hang on for years. In the way of dictatorships, it had stunned and shackled the wholesome forces that might have replaced it. Not only was Portugal at a new low point, it showed every sign of changing for the worse, perhaps slowly, perhaps by violent upheaval...» (ler o resto)

sexta-feira, abril 25, 2008

"As portas que Abril abriu"





Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais feliz
dos povos à beira-terra

Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raíz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinhiero estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos dos passado
se chamava esse país
Portugal suicidado

Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas tabém tinha a seu lado
muitos homens na prisão

Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão

Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação

uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com a que a força da vida
seja maior do que a morte

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão

Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão

Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa

Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis

Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
- pode nascer um país
do ventre duma chaimite

Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
- é a força revolucionária!

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena

E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados "páras"
que não queriam o degredo
de um povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam

Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração

Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma razão
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão

Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer

E em Lisboa capital
dos nosvos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis

Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua prórpia pobreza

E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.

Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.

Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo de mês de Junho.

Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

Mas era olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.

A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que desbobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.

Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.

E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideias
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.

Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio faziam
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.

Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.

E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.

Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.

Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.

Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.

Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.

Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
- cumpriu-se a revolução.

Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabrões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os genarais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.

Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.

E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.

Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.

E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
apenderam Portugal.

Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opões àqueles que o firam
consciência nacional.

Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.

Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.

Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.

Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.

Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
- Não havia estado novo
nos poemas de Camões!

Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.

Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.

Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.

Em em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalhos crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
de um país que vai nascer.

Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser

pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.

No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pédo Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!

É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.

Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua prórpia grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viesses ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.

Na frente de todos nós
povro soberano e total
e ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisa em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser reoubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!


Lisboa, Julho-Agosto de 1975
José Carlos Ari dos Santos - "Obra poética"
Edições Avante

sexta-feira, abril 18, 2008

'bora inscrevê-lo ?


É preciso tanto!?

Estas merdas irritam-me. Eu não sei distinguir grená de vermelho, roxo de violeta, vermelho sangue-de-boi de vermelho, para que é preciso mil milhões de cores?....

PêPêDê-PêÈsDê


Muda-se logótipos, cores da bandeira, pagamento de quotas, ideologias (?) e depois, à primeira crítica, sai-se? Mas será que o LFM estava à espera de em seis meses se colocar no topo das sondagens, feito líder messiânico do PSD, e dar uma coça no Sócrates? Estas críticas que lhe fizeram, não foi exactamente o mesmo que ele fez durante meses a fio ao L.Marques Mendes?
O mais triste é que ele ainda vai voltar. Não sendo militante, nem simpatizante sequer, somente como cidadão, devia poder votar só para que LFM não fosse reeleito!

quarta-feira, abril 16, 2008

Saudaciones Rosé Luíz

Mulheres em maioria no governo. Uma Ministra grávida à frente da pasta da Defesa. Ministras Jovens, duas na casa dos 30. Da sua competência, o tempo e os eleitores, a avaliarão. Quanto ao gesto em si, excelente! O governo a dar o exemplo. De Espanha nem bons ventos nem bons casamentos, mas se isto não é uma esquerda moderna, com visão para a coisa política, vou ali comprar caramelos e já venho.

Sobre esta palhaçada toda

da visita do Senhor Silva à Madeira, eu não queria ser o gajo que está sempre a dizer “ eu bem avisei.”. Mas a verdade é que eu bem avisei. O Senhor silva é um presidente em formato Excel e não tem uma espinha dorsal democrática que lhe permita levantar a voz perante o soba Madeirense. Não fazia mais do que a sua obrigação.
Não quero ser como Santana Lopes e ficar com uma dor de corno com 4 anos por causa do Manuel Alegre não ter sido eleito, mas a verdade é que esse, não tendo nada a ver com o assunto directamente, ainda levantou a voz contra o prepotência do líder da FLAMA, perdão, da Madeira.

terça-feira, abril 15, 2008

Quem o diz é quem o é

«Ganhou Berlusconni! E agora? Como vão explicar esta vitória os teóricos do politicamente correcto? Berlusconni ganhou!Berlusconni venceu! Como explicar? Será que o Povo de Itália não recebe a RTP e a SIC Internacionais? Verdade seja dita que alguns dos nossos comentadores não são os únicos membros desse grupo do politicamente correcto...Ele há mais como eles. Ganhou mais um populista, demagogo, direitista...Como será possível? Não existirão lá comentadores esclarecidos? Aqui há um ano, ou menos, em Itália, e sobre Itália, dizia- se que não havia alternativa de direita. Pois lá está, outra vez. Como devem ficar confusos. Acima de tudo, há que felicitar Silvio Berlusconni pela sua enorme capacidade de resistir, de acreditar, de ultrapassar obstáculos, de lutar, de ressurgir das derrotas, de vencer os seus adversários, de calar tanto detractor. Merece, e merece a Itália antes do mais, que esta governação tenha sucesso. Postado por PedroSantanaLopes às 23:26»

O precariado contra ataca!

segunda-feira, abril 14, 2008

Pensava eu que, pela primeira vez na vida, concordava

Ainda não é desta que concordo com ele.

Subscrevo tudo


(...ler mais)»

Mário Crespo in JN

Odeio

o Malato, os risos alarves do Malato, o programa do Malato, a pera do Malato, os convidados do Malato, a banda do Malato, a mesa do Malato, o sofá do Malato, as reportagens estúpidas do Malato, a plateia do Malato – que é o único sítio do país onde os alunos das “carolinas Michaelis” deste país se sentam lado a lado com as Adufeiras de Monsanto vestidas a rigor para irem à capital – odeio a distância a que as câmaras estão do Malato, odeio o estúdio do Malato, odeio o pseudo piada inicial, odeio as perguntas do Malato, odeio como se explora a lágrima fácil no programa do Malato, odeio os convidados musicais do Malato, odeio a ideia de que as velhas gostam todas do Malato, odeio o logótipo do “Sexta à noite” do Malato, odeio o nome do programa do Malato, odeio aquela lua com o nome do programa a rodar no canto inferior esquerdo do programa do Malato, odeio o plasma que está atrás do Malato, odeio o cenário do Malato, odeio o nome Malato, odeio a cara de parvo do Malato, e odeio o Malato em si. Já tinha dito isto?
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domingo, abril 06, 2008

Fucking Hell

Mais 5 minutos e vomitava. Ficou aquém das expectativas. Boa encenação, música fraquinha e uma dose excessiva de declamação que me fez bocejar. Estava à espera de muito mais. Além de que vou ter pesadelos nos próximos dias.
"Sinto-me sujo, roído pelos piolhos, e os porcos quando olham para mim, vomitam."
MALDOROR
«Na Paris sitiada de 1870 e em vésperas do levantamento da Comuna morre aos 24 anos o desconhecido Isidore Ducasse. No entanto este misterioso “homem de letras” deixava atrás de si um formidável empreendimento de demolição de que o romantismo envelhecido e o Segundo Império à beira do desastre não seriam as únicas vítimas. Os seus “Os Cantos de Maldoror”, impressos no ano anterior sob o pseudónimo de O Conde de Lautréamont, não poupam nenhuma autoridade nem nenhum dogma.
os cantos de maldoror
Sob a aparência de um herói do Mal, negativo dos heróis românticos então em voga, Maldoror é a personagem central da narrativa estruturada em Cantos à maneira das epopeias clássicas. Mas Maldoror é muito mais que um herói do Mal, é sobretudo um combatente da liberdade que nos revela as consequências de uma dupla alienação: enquanto a interiorização dos interditos morais e religiosos nos confisca os desejos, as marcas de uma linguagem imobilizada contrariam-nos a livre expressão.
Se a primeira alienação ganha denúncia no combate encarniçado de Maldoror contra o Criador e a religião e na natureza obsessivamente erótica dos seus crimes, relembrando a animalidade e a agressividade que a Igreja associa à sexualidade, já a segunda é exposta pela recorrência a artifícios literários, da interpelação do leitor à confusão entre narrador e personagem, da ausência de linearidade narrativa à constante sobreposição de formas literárias, como se ao combate encarniçado contra o Criador correspondesse estranhamente uma luta da escrita contra uma censura latente. Apesar disso, o texto não perde balanço, antes, como uma espiral ou um turbilhão, ganha um movimento rodopiante, de reposição e de renovação, de repetição e de modulação, com novos enredos sempre a arrancarem para logo abortarem, com constantes intromissões e divagações a impedirem a narração de avançar, não abordando novos relatos senão para voltar a tropeçar no mesmo episódio indizível, deixando entrever o que se segue para melhor o ocultar, tal um segredo que se quer contar mas não se consegue, criando assim uma tensão que vai alimentar toda a obra, que dá a impressão de gravitar à volta de um centro sempre fugidio.
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A partir de “Os Cantos de Maldoror”, a obra-prima literária que Isidore Ducasse, sob o pseudónimo de Conde de Lautréamont, deu à estampa nos finais do séc. XIX, os Mão Morta, com os dedos de alguns cúmplices, estruturaram um espectáculo singular onde a música brinca com o teatro, o vídeo e a declamação. Aí se sucedem as vozes do herói Maldoror e do narrador Lautréamont, algumas imagens privilegiadas das muitas que povoam o livro, sem necessidade de um epílogo ou de uma linearidade narrativa, ao ritmo da fantasia infantil – o palco é o quarto de brinquedos, o espaço onde a criança brinca, onde cria e encarna personagens e histórias dando livre curso à imaginação.
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Em similitude com a técnica narrativa presente nos Cantos, a criança mistura em si as vozes de autor, narrador e personagem, criando, interpretando e fazendo interpretar aos brinquedos/artefactos que manipula as visões e as histórias retiradas das páginas de Isidore Ducasse, dando-lhes tridimensionalidade e visibilidade plástica. O espectáculo é constituído pelo conjunto desses quadros/excertos, que se sucedem como canções mas encadeados uns nos outros, recorrendo à manipulação vídeo e à representação. Como um mergulho no mundo terrível de Maldoror, povoado de caudas de peixe voadoras, de polvos alados, de homens com cabeça de pelicano, de cisnes carregando bigornas, de acoplamentos horrorosos, de naufrágios, de violações, de combates sem tréguas… Sai-se deste mundo por uma intervenção exterior, como quem acorda no meio de um pesadelo, como a criança que é chamada para o jantar a meio da brincadeira – sem epílogo, sem conclusão, sem continuação!»